Nós magrinhas, mulheres injustiçadas pelos mistérios do corpo humano (ou de Deus), mas injustiçadas sobretudo pelas pessoas: somos as "anoréxicas". As mulheres que seguem o padrão da mídia. As vulneráveis, desequilibradas, de mente fraca. "Você precisa comer!", mas quem há de pensar que não-comer não é uma escolha? Ou ainda: que comemos, sim! Alguém por um acaso fala sobre nós, magrinhas?
Magreza é sinônimo de meninas "eu quero ser magra". A magreza nunca é falada como é, em sua verdadeira (ou falta de) forma, apenas em um objetivo para se alcançar. A magreza, a magreza, a magreza. Falam na dona Magreza em dois extremos: o primeiro, quando modelos tem anorexia. "Oh, dona Magreza! Que cruel!". O segundo, quando mulheres não-magras querem a dona Magreza como amiguinha - ou nem sempre, há quem se rebele contra a dona Magreza. "Dona Magreza, não precisamos de você! Somos melhores!". E isso é coisa que se faz com a pobrezinha?
Mas tudo acontece por fases. No começo, todas querem a dona Magreza. Pelos padrões de beleza? Quem sabe. A questão é que nos confins da mente dessas mulheres, algo está errado e precisa ser mudado urgentemente. Dona Magreza é desejadíssima. E após a cobiça, aqueles dois extremos (que querem o mesmo, sempre!) começam a enfrentar o destino: temos quem consiga dona Magreza, e de maneira doentia. Como tudo o que é obtido em excesso, dona Magreza trás consequências desastrosas (porém, dona Magreza não tem mais culpa, ela foi apenas o alvo de um desejo doentio). O segundo extremo, das mulheres gordinhas, é muito amplo. Após desejar a dona Magreza, a parte que consegue (com moderação) está devidamente satisfeita. A parte que não consegue, chega à duas ruas que vão para caminhos distintos: a da direita continua sem a dona Magreza e se amaldiçoando por isso - aprende a viver sem ela, afinal. A da esquerda também aprende, porém de forma mais radical e agressiva: seremos feministas e contra a dona magreza! Não seremos vítimas da beleza! Somos assim e pronto, há quem goste de nós!
É de deixar qualquer magrinha embasbacada toda essa história. A campanha anti-DonaMagreza é cruel: criticam sem piedade e caem em contradição. Acabam deixando as outras mulheres inferiores! Mais ainda do que nós magrinhas nos sentimos nesse país de mulheres tão belas e saudáveis; no país onde mulher é bunda grande e seios fartos. Nós magrinhas, quando usamos decotes, arrancamos comentários secretos com um tom que beira a pena: "Ela quase não tem peito, você viu?". Umas usam decotes mesmo assim, exibem os ossos (e sinceramente, a clavícula é uma região lindíssima, entra no top 5 partes do corpo feminino) com vontade. Outras tem vergonha. "Não vou mostrar o que eu não tenho". Nós magrinhas não temos curvas nas pernas, machucamos os nossos namorados com o osso ilíaco do quadril, temos braços finos que são os primeiros a nos denunciar, não temos covinhas nas costas, nenhum desenho para se orgulhar, apenas ossos expostos. Nós magrinhas fomos chamadas quando crianças de Olívia Palito, vassoura, espanador de Lua, tábua de passar roupa, etc. Nós magrinhas somos frágeis e delicadas por fora, mas ainda somos tão mulheres quanto as outras, por mais carne que nos falte. Nós magrinhas encontramos ali e acolá um admirador da dona Magreza, que chega a nos espantar: alguém! Em suma os homens dizem "É sem graça". Falam tanto do tal padrão de beleza onde mulher tem que ser magra, mas padrão de mulher venerada pelos homens, onde está o saquinho de ossos? Homens são açougueiros, querem carne e mais carne. E como o mundo é engraçado, uns com tanto, outros com tão pouco... Quem não é magrinha não sabe, mas nós também nos sentimos pequenas e feias. Ninguém escolheu o corpo que tem, afinal, só nos sobra o "Por quê?" latente, implacável. Por mais que se supere as imperfeições, aceite como as coisas são, por mais que não se tenha nunca a inveja ruim, a pergunta estará lá, enquanto nós magrinhas nos despirmos diante do espelho: é só aprender a virar de costas, a não ver.